#12 - O filme da Lady Gaga
eu fui assistir o filme da lady gaga e queria dividir algumas coisas com vocês
Eu não ia escrever sobre o filme da Lady Gaga mas acontece que estou em São Paulo a trabalho e acabou a luz. E eu tenho que passar o tempo, então resolvi escrever sobre o filme da Lady Gaga. Que algumas pessoas chamam de filme do Coringa, mas se você chama o filme da Lady Gaga de filme do Coringa esse texto não é pra você. Essa não é uma resenha séria. Para isso, por favor procure a Isabela Boscov. Sendo muito honesta eu não vi o que a Isabela Boscov achou desse filme. E agora eu tenho que poupar a bateria do meu celular então eu não posso procurar. Então é isso: eu vou falar de Coringa - Delírio a Dois sem nem saber a opinião da Isabella Boscov. Veja bem, você está entrando em um terreno arriscado. É por sua conta e risco. Culpe a Enel e o Ricardo Nunes.
"I said Marvel Movies aren't Cinema"
Eu não gosto de filme de herói. Filme de bonequinho. Filme baseado em história em quadrinho. Em geral eu não assisto. Sou meio Martin Scorsese nesse quesito. Não que eu me orgulhe disso ou me ache melhor que alguém porque eu não compro um balde de pipoca com a cara do homem aranha e vou lá assistir um filme da Marvel. Ou da DC? Enfim, eu não sei nada de nada dessas coisas. Mas é que duas coisas me afastam de filme de história em quadrinho: o fato de eu não ler histórias em quadrinho de super herói e o fato de que o homem padrão que costuma gostar desse tipo de filme e desse tipo de quadrinho é meio complicado. Nem todo homem. Mas pegando a parte pelo todo estamos falando de uma galera que reclama quando colocam mulher pra protagonizar o filme. Essa galera não é minha galera. Mas eu convivi bastante com eles indiretamente. E hoje em dia prefiro evitar.
As únicas vezes que eu fui parar no cinema pra ver filme de herói foi por amor. Amor leva a gente pra lugares impensáveis. Alguns lugares que já fui por amor talvez eu não visitaria de novo nem com uma arma na cabeça. Um homem que um dia eu gostei muito quando era jovem gostava muito de história em quadrinhos. E de filmes de herói. Eu não acho que ele era do tipo que ia reclamar se botassem uma mulher para protagonizar um filme, então ele era minha galera. Por causa dele eu fui ver o Batman que tinha o Heath Ledger (gostei) e o filme do Watchmen (amei). Para ver o filme do Watchmen era imperativo que eu lesse os quadrinhos, então ele me passou como preparação. Eu gosto muito de Watchmen. E gosto muito da série de Watchmen. Do universo. Eu vejo coisas ali. E eu entendo que gente legal veja coisas em filmes de herói. Mas o problema é que gente mala também vê coisas em filmes de herói. As coisas erradas. Mas sei lá, acho que isso é do ser humano. Enfim, deixemos de divagar.
Só Deus pra conhecer a mente do palhaço
O filme do Coringa com o Joaquin Phoenix causou um burburinho meio grande e eu achei que tudo bem aceitar o convite do meu namorado pra assistir. No caso aqui era filme de vilão. Eu gostei do Batman do Heath Ledger, vai que era algo parecido. Minha melhor amiga nos acompanhou. Do meio pro fim do filme era muito claro que eu e ela começamos a ficar incomodadas. Ela olhava pra mim numa coisa meio "ihhh, cê viu?" e eu correspondia com uma coisa meio "ih, vi. pesado". Eu acho que o Todd Phillips aqui tinha uma pretensão tão grande em fazer um filme épico que ele transformou um vilão em um herói. Herói de gente que não quer ver mulher protagonizando filme.
Assim que acabou o filme eu e minha amiga falamos em uníssono "odiei". E a gente sabia porque a gente tinha odiado. Tinha algo ali. Algo ali que a gente sabia que ia passar uma mensagem meio torta. Dito e feito. O filme virou meio ícone dos Incels.
Não que eu ache que a gente deva acabar com uma obra porque ela tem fãs escrotos. Eu por exemplo sou muito fã de Oasis, banda que concentra em si um imenso coeficiente de fãs escrotos; a própria banda é formada por dois escrotos, mas isso não impede que eles façam belas músicas. Eu não acho que o Joaquin Phoenix atue mal, mas eu acho que o filme tenta demais. Sabe quando você quer conquistar alguém e aí você se torna quase que um boneco de cera de tanto que quer buscar aprovação? Eu acho esse Coringa meio Ken Humano: quis tanto ser perfeito que acabou um negócio meio esquisito. E se você olhar de perto é até meio feio.
O filme da Lady Gaga:
Quando anunciaram a sequência do Coringa com a Lady Gaga eu não posso dizer que não sorri. Sorri duplamente quando descobri que era um musical. Eu já convivi com alguns desses caras que não suportam ver mulher protagonista em filme de herói. Fiquei achando tudo muito engraçado porque acho que não podia ter algo que desagradasse eles mais do que um filme de bonequinho com uma diva pop e musical. No mais, eu sabia que ia ser capenga. Não acho a Lady Gaga má atriz, mas estava na cara que aquilo ia descambar em uma farofona. Eu fiquei realmente chocada quando vi um monte de gente indo ao cinema e querendo ver um filme sério e bem estruturado. É claro que não ia ser isso. Colocaram a Lady Gaga. Eu amo a Lady Gaga, eu acho que ela atua bem, mas veja bem… No último filme que ela fez ela disse que recebeu o espírito de Patrizia Reggiani. E a Patrizia Reggiani está viva até hoje.
Assim que o filme começa você já sente lá dentro do seu âmago um sonoro "LÁ VEM". Quando a Lady Gaga entoa a primeira nota dá pra imaginar um monte de gays e garotas gritando involuntariamente no cinema "a GAGA!!" e acabando com qualquer possibilidade do nerd fã de quadrinhos curtir um filme sério. Depois que Coringa e Arlequina se encontram, a coisa se torna quase uma residência da Gaga em Las Vegas. É muito menos subversivo que o videoclipe de Alejandro, mas a gente tem que admitir que há uma certa graça. A hora que a Gaga entra no tribunal vestida, por exemplo, ela está em um clipe de paparazzi. O Todd Phillips deixou a Lady Gaga fazer vários videoclipes dentro de um filme de quadrinhos. Deu certo? De maneira alguma. Mas é muito divertido pensar nessa subversão involuntária.
Pros Gays, faz umas músicas pros gays!
Dizem que esse querido que dirige o filme da Gaga ficou muito chateado em ver uma obra dele se tornando símbolo dos incels. De certa forma eu entendo o sentimento. É aquele famoso "ih, tô atraindo trouxa". De vez em quando, na vida, a gente atrai trouxa sem querer. No caso dele não sei se foi tão sem querer, mas tudo bem. Aí quando você percebe que atraiu um trouxa você tem que fazer algo pra repelir aquilo. No meu caso eu tento deixar de atrair trouxa dizendo que não sou diferente das outras garotas, eu também amo Lady Gaga. Ou a Taylor Swift.
Já no caso do Todd Phillips ele tentou fazer algo parecido: usou a Lady Gaga num filme de quadrinhos. Ele fez o que pode pra afastar trouxa: transformou o Coringa num coitado, botou ele pra sapatear e a Gaga pra cantar nos piores momentos possíveis. Ele só esqueceu de um detalhe: fazer um filme bom. O filme é uma tragédia. O roteiro é capenga, a ideia de desconstruir o coringa funciona mal e todos os números musicais não têm relação uns com os outros. Eu sorri quando a Lady Gaga vai visitar o Coringa na prisão e do nada começa a cantar e depois faz um sorrisinho de batom no vidro? Sim. Amei todas as vezes que eles vão parar em cenários cafonérrimos e fazem cenas que não tem relação direta com a história? Sim. O drama do tribunal é uma vergonha sem fim. O cara quer destruir o Coringa e quem sai destruída muitas vezes é a coerência.
Eu duvido que esse filme tenha sido pensado pra ser ruim, mas o fato dele ser ruim adiciona uma camada a mais a coisa toda. Eu voltei de novo naquela entrevista do Herzog em que ele diz que assiste às Kardashians porque o poeta não pode fechar seus olhos pra nada. Delírio a Dois é um filme vazio, inclusive esteticamente. Mas o simples fato das pessoas não conseguirem aceitar que um filme é apenas um filme me diverte um pouco. A ideia (embora mal desenvolvida) dele tratar o Arthur como um coitado no qual as pessoas projetaram o que queriam ver também me parece ao menos uma tentativa. Há uma certa autoconsciência, há o momento em que o Coringa pede pra Lady Gaga deixar de cantar. Ele sabe pra quem está falando. Coringa é um personagem. O Todd Phillips tem todo o direito de implodir a ideia torta que ele mesmo criou. Mesmo que seja num filme todo desconjuntado.
Pensando pelo lado bom, ele nunca mais deve fazer um filme do Coringa. O que é bom pra todo mundo - inclusive pra ele. E no mais, esse filme nos rendeu uma das melhores matérias da Folha de S. Paulo de todos os tempos. Não é pouca coisa. DÁ O OSCAR PRA ELA!!
Afinal, o que é a vida?
Eu gosto muito de ir ao cinema. Agora que moro ao lado de um tento ir ao menos uma vez por semana. Não ligo muito de ver filme ruim. Gosto de ter a experiência. Acho que a vida é um pouco estar disposto a ver. Eu gosto de ver coisas com meus próprios olhos, entender como elas funcionam, observar o casal que estava na mesma sessão que eu sair horrorizado do cinema. Eu acho que pra viver é preciso estar atento. E não levar as coisas tão a sério. Um filme é só um filme. Histórias são só histórias. Um dia o filme do Coringa vai ser só mais um filme dublado do supercine que ninguém assiste. Assim como eu e você um dia seremos só memória.
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Para esquecer um filme ruim - ouça o novo brat que é completamente diferente mas ainda o brat. Charli arrasou nessa.
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Livrei vocês de mais uma newsletter sobre o Japão, mas semana que vem devemos voltar ao assunto. Obrigada pelo seu tempo e, se você recebeu essa cartinha por e-mail e quiser me responder é só responder diretamente ao e-mail. Eu sei que não respondi nenhum de vocês até hoje, mas vou pegar um dia só pra isso. É que só deus pra conhecer a mente do palhaço esse ano. Tenho trabalhado demais, mas ainda sobra um tempo pra essa bobagem aqui - pro azar de vocês.
Até a próxima newsletter!
Texto perturbador! Eu não sou um incel, nem nerd. Sou bem resolvido e até (pró) feminista. Mas gostei pra caramba de Coringa.
Seu texto só não foi mais perturbador pra mim pois vc não elogiou o filme de Gaga.
(Esse comentário é meio irônico - no fundo, gostei de seu texto, mesmo discordando da crítica de Coringa 😉
Larissa essa sensação de ir ao cinema e se divertir, me lembra o dia em que fui assistir The Flash com o perturbado do Ezra Miller. O filme é horrível, mas foi engraçado assistir as pessoas dando risadas de piadas que não tem graça alguma ou aquela cena pavorosa dos bebês voando e eles achando o máximo, foi um momento mágico, achei fascinante. E sobre o filme da Gaga, vou esperar no streaming. No mais, espero que os little monsters toque muito terror ao som de Bd Romance.