#10 - É preciso atravessar oceanos
Viagens aqui dentro e lá fora e uma ou duas notas sobre a minha banda preferida e uma rede social que já foi
De uma semana para cá, passei por algumas pequenas mudanças. Minha rede social preferida foi bloqueada no Brasil (sim, o Twitter era minha rede social preferida; todo mundo tem defeitos) e minha banda favorita da adolescência anunciou que vai se reunir novamente (sim, minha banda favorita da adolescência é o Oasis, mas disso eu não vou me desculpar, porque nunca encarei como um defeito).
Semana que vem, embarco em uma viagem um pouco longa, que me traz um misto bonito de medo e felicidade. Não vou mudar de país nem nada, só vou conhecer um novo destino, mas pretendo explicar tudo para vocês quando já estiver lá. Contei para um número mínimo de pessoas que iria viajar e, já quebrei um dente. Desculpem, mas sou mística. Não vou arriscar mais. Além disso, finalmente consegui voltar a ler um livro, depois de um longo hiato de leituras. São dessas pequenas coisas que quero falar hoje. Sobre essas pequenas travessias de oceanos particulares.
Please don't put your life in the hands of a rock and roll band

A primeira vez que ouvi Oasis, eu devia ter uns onze anos e estava assistindo ao Multishow na casa dos meus avós. Passava o show Familiar to Millions, um show que se tornou álbum e DVD comemorativo. Naquela época, o Multishow competia diretamente com a MTV, então ainda não era um canal de humor com gente gritando, mas sim um canal de música. A grande diferença deles para a MTV era o fato de colocarem legenda em todos os clipes e shows, o que para mim era muito atraente. Eu gostava muito de entender as letras.
Não me lembro de muita coisa, só de ficar fascinada. Especialmente com umas letras mais malucas que eles tinham na época, como Gas Panic. Uma música que dizia "é melhor você se colocar de joelhos e começar a rezar porque o pânico está a caminho" era tudo que eu gostava de ouvir aos onze anos. Era disruptivo o suficiente. No dia seguinte, cheguei na escola e contei para minha melhor amiga: "tem uma banda chamada Oasis". E eu nunca mais parei de ouvir.
Eu garimpei o Definitely Maybe junto com o Be Here Now nas Lojas Americanas, e esses álbuns eram os mais ouvidos do meu chart pessoal, junto com Capital Inicial e Charlie Brown Jr. Eu sei todas as músicas desses dois álbuns, todas as transições. Oasis era tão importante para mim que eu escrevia as letras no meu caderno, quase como uma tentativa de garantir que aquelas palavras jamais se perdessem. É a trilha sonora da minha vida em muitos momentos. Eu me apaixonei platonicamente por um rapaz da minha sala e ouvia Slide Away enquanto pensava nele. Whatever era meu mantra pessoal: "Eu sou livre para ser o que eu quiser". Eu chorei várias vezes com The Masterplan. Quando eu perdi um grande amor, acreditei muitas vezes que "you and I are gonna live forever". De certa forma, os amores vivem mesmo para sempre, ainda que se transformem.
Eu ainda rio sozinha quando ouço Shakermaker, música que ele cantava para mim toda vez que queria me irritar, porque eu odiava. Os sentimentos se transformam, mas as coisas que amamos vivem, sim, para sempre: os amigos, os amores, e nossas bandas preferidas. E também um pouco de nós. Existe algo imutável em nós que vive para sempre, e esse imutável geralmente desperta assim que você dá play em uma música da sua banda preferida da adolescência. E, para mim, isso é quase sagrado.
Mar sem fim
Tamara Klink é a filha do Amir Klink, aquele conhecido velejador brasileiro que já deu a volta ao mundo. Mais ou menos na mesma época em que o Oasis era a minha banda preferida, o GNT gostava muito de exibir um documentário chamado “Mar Sem Fim". É o que contava a história do Amir em sua travessia ao redor do mundo pela Antártica. Eu era completamente fascinada por esse doc. Nessa época eu ainda nadava e eu achava simplesmente incrível que alguém pudesse navegar ao redor do mundo. Com treze anos eu mal tinha saído da minha cidade e meu maior contato com o mundo era a lista de lugares que eu queria conhecer antes de morrer. Lugares que eu descobri folhando o grande Atlas da Folha que meus pais tinham na sala de casa. Eu queria muito um dia ser grande o suficiente para atravessar oceanos e conhecer esses lugares. Desconfio inclusive que a Antártica estava na lista.
A última cena desse documentário é o Amir chegando a Paraty e encontrando com suas filhas gêmeas. Uma delas é Tamara. Em 2008 eu conheci de barco o lugar em Paraty onde o Amir Klink chegou e lembro de sentir uma certa completude ao nadar com meu pai e com a minha mãe num mar cristalino e com pequenos peixinhos. Semana passada eu li o livro da Tamara em que ela conta como foi a sua travessia da Noruega até o Brasil a bordo do seu pequeno barco, a sardinha. Ela fez um diário de viagem que virou livro. Tamara e eu temos algumas coisas em comum: somos mulheres, então só podemos enxergar o mundo através do nosso olhar como mulheres; gostamos de escrever então só conseguimos entender mesmo o mundo quando colocamos ele no papel; gostamos muito de água, então recorremos com frequência a metáforas aquáticas.
Claro que eu nunca estive a bordo de um barco minúsculo atravessando mares sozinha como Tamara esteve, mas eu consigo entender muito do que ela sente. Talvez porque eu tenha atravessado alguns oceanos metafóricos aqui e ali a bordo de um barco minúsculo. Eu acho que eu também entendo um pouco de solidão. E do medo de perder um amor. E da pele secando com a água salgada. “O mar abre todos os caminhos que ligam as pessoas do mundo”, escreve Tamara em um determinado momento do livro. Penso muito nisso quando estou em um avião e vejo no mapa que pra trás e pra frente o caminho é apenas feito de água. Sinto que estou suspensa no mundo. Penso nisso quando boio em uma praia e vejo no horizonte o oceano infinito, talvez uma das imagens que eu mais goste de ter olhos pra ver. Penso muito nisso quando percebo que é possível se ligar profundamente a pessoas com oceanos de distância de nós. Penso nisso enquanto nado e percebo que seria capaz de sumir na água e que, de certa forma, sumo mesmo. Penso nisso quando me dou conta que ao atravessar um oceano estarei frente a frente com a minha banda preferida.
Shake along with me
O Oasis fez um show no Brasil em 2009. Íamos eu, um amigo e um outro amigo que também era o rapaz que eu gostava. Esse terceiro elemento desistiu da viagem e eu era muito jovem e com muitos medos pra encarar uma viagem interestadual de excursão com esse outro amigo com quem, na época, não tinha muita intimidade. Disse que não ia. O meu amigo que foi sozinho ao show voltou com o pandeiro do Liam. Pouco tempo depois a banda acabou. Eu e esse amigo nos tornamos mais próximos. Fomos em todos os covers do Oasis que tocaram na minha cidade. Uma vez ficamos muito felizes porque uma dessas bandas tocou Magic Pie. Você tem que ser muito fã pra saber a letra inteira de Magic Pie. Nós éramos muito fãs. Mas eu sabia que só um de nós ia poder dizer: “eu fui em um show do Oasis". Não ter ido naquele show é um dos poucos arrependimentos que eu guardava na vida.
Quando eu tinha 15 anos meu pai me perguntou se eu queria uma festa. Eu disse que não. Eu queria o dinheiro pra fazer uma viagem pra Londres. Ele não entendeu nada, mas me deu o dinheiro dizendo que eu podia usar quando eu ficasse mais velha. Eu acabei nunca fazendo essa viagem. Também nunca vi esse dinheiro.
Semana passada o Oasis anunciou uma volta com shows na Inglaterra. Eu decidi que queria ver o show, mas tinha que ser em Londres. Era o que eu devia pra Larissa de quinze anos que tinha letra do Oasis escrita no all star e sonhava em ir pra Londres. Se eu conseguisse era porque era pra ser. Eu não botava o despertador pra acordar de madrugada e fazer algo na internet desde quando a gente tinha que acordar de madrugada pra fazer conta no fotolog. De sexta pra sábado eu montei um esquema e acordei as cinco da manhã pra garantir o meu ingresso pro Oasis. A ticketmaster tem o pior sistema de venda de ingressos já visto nos cinco continentes e entre cochilos e desesperança às 10h30 da manhã eu recebia a confirmação de compra com a fotinha dos irmão Gallagher. Eu dei uma choradinha. A última vez que eu chorei quando consegui um ingresso pra show foi quando vi o Radiohead em 2009. O poder das nossas bandas preferidas.
Eu vou ver o Oasis em Wembley. Por coincidência, foi lá que eles gravaram o Familiar To Millions. Eu espero que eles toquem Magic Pie.
The world around us makes me feel so small
Em 2009 eu perdi o show do Oasis, mas ganhei uma rede social nova chamada Twitter. Ninguém sabia como usava e a gente ficava ali escrevendo coisas aleatórias. Na abertura da copa de 2010 todos nós usamos a nova plataforma pra comentar ao vivo o evento. Encontrei muita gente ali. Por de trás do nickname “temquetamoleque” eu conheci amigos e amores, fingi que não percebia que um grupo inteiro de amigos de internet se revezava pra flertar comigo, peguei ônibus interestadual pra conhecer um homem que só existia em avatar e chamada de vídeo no Skype e fiz alguns dos amigos que guardo até hoje e que estiveram comigo nas melhores festas e no velório do meu pai. Algumas músicas do Oasis embalaram essas amizades e esses romances platônicos e não.
O Twitter me colocou mais próxima de gente que eu admirava, fez meu trabalho chegar a mais gente e me deu a certeza de que eu sabia me colocar melhor no mundo através de palavras escritas. Só Deus e eu sabemos o que eu já consegui juntando frases em uma rede social e distribuindo coraçõezinhos. Sempre achei que se encantar por algo que alguém escreve é uma das formas genuína de encantamento. Tipo um casamento às cegas das palavras. Das coisas que eu deixei lá, eu posso dizer com certeza que não me arrependo de nada. Talvez um dos poucos lugares onde eu conseguia ser eu na totalidade, mesmo quando isso incluía ir parar em ciladas grandíssimas como ser pauta do programa da Sônia Abrão por falar das escolhas do ex da Sandy.
Sei toda a problemática por trás de Elon Musk, mas não deixa de ser triste ver uma rede social que me formou indo embora. É como diria o Oasis: we're all of the stars, we're fading away. Mas talvez a grande lição que eu tenha aprendido com eles e nesses quinze anos que me trouxeram de lá até aqui é que a gente sempre se encontra algum dia. Se a gente tiver que se encontrar, a gente se encontra. Eu e minha banda preferida. Eu e você. Because we need each other. We believe in one anotther. And I know we're going to uncover what's sleeping in our soul.
Afinal, o que é a vida?
Little by Little é uma música que ressoou muito comigo durante a adolescência porque eu era essa pessoa esquisita que cresceu fora das proporções e que era tímida, escrevia em diário e não sabia muito bem como ser no mundo. Não eram raras às vezes em que eu acordava me perguntando “why am I really here?”. Confesso que quase vinte anos depois dessa época eu ainda não entendi muito bem porquê, mas me parece que essa não é a pergunta-chave. Depois de mais velha eu chorei algumas vezes ao som de Masterplan, muito mais do que ao som de Little by Little. Talvez porque eu acredite que, no fim, todos nós sejamos mesmo parte de um plano maior. Mesmo que esse plano maior seja só atravessar um oceano pra ver o show da sua banda preferida da adolescência. Mesmo que seja só ter uma ou outra história sobre uma manhã de Gloria.
Pequenas dicas aleatórias:
O livro da Tamara: Se chama “Nós” e é daquelas leituras rápidas e que deixam o coração quentinho. Na Amazon.
Um doc sobre o Oasis: Durante a pandemia eu assinei uma semana de Paramount + só pra poder assistir Oasis Knebworth 1996. O doc conta a história desse show em Knebworth em uma época onde era preciso ligar pra conseguir comprar ingressos ao invés de usar a internet, mas onde o amor por uma banda movia montanhas. Eu lembro de me emocionar muito com a pessoa que fui e a que eu ainda era vendo isso. No meio da pandemia ver aquilo era como se tivessem me jogado uma boia de salvamento. Eu até fiz as pazes com Some Might Say, música que eu enquanto “fã de verdade", achava batidíssima.
Um programa na Globo: Herzog é um dos meus cineastas preferidos não tanto pelos filmes (também pelos filmes), mas muito por suas opiniões sobre o mundo. Nessa entrevista aqui ele diz que você deve ler e ver não só coisas boas, mas sim estar aberto a tudo que o mundo pode te oferecer. Eu enxergo o mundo exatamente assim e por isso gosto muito do programa Estrela da Casa. Uma bagunça. Você nunca sabe se vai ligar a TV e eles vão estar cantando ou vestidos de salsicha pra prova do patrocinador. Fascinante. Meu cérebro fica mais liso que a salsicha da perdigão depois de ver. É tudo que eu preciso.
Um disco: O disco novo de Magdalena Bay, queridos que amo.
Pra me encontrar em outra rede de palavras: estou no Bluesky. O Threads não dá pra mim.
Eu volto semana que vem. Vou tentar um diário de viagem. Se você recebeu isso aqui via e-mail você pode me responder diretamente esse e-mail que eu recebo. Voltamos semana que vem
Obrigada pelo seu tempo!